A BELEZA DA ORAÇÃO CONSISTE NO FACTO DE QUE O ABRIR DO NOSSO CORAÇÃO É TÃO NATURAL COMO O DESABROCHAR DE UMA FLOR. PARA QUE UMA FLOR ABRA E FLORESÇA BASTA ESPERAR; PORTANTO, SE ESPERARMOS, SE NOS AQUIETARMOS E ASSIM PERMANECERMOS QUIETOS E SILENCIOSOS, O NOSSO CORAÇÃO ESTARÁ INEVITAVELMENTE ABERTO E O ESPÍRITO BROTARÁ DENTRO DO NOSSO SER. FOI PARA ESTE FIM QUE FOMOS CRIADOS. JONH MAIN, OSB (1926-1982)

terça-feira, outubro 10, 2006

Curso de Iniciação à Meditação Cristã

Aqui vai a primeira palestra do Curso de Meditação Cristã que teve lugar no dia 30 de Setembro no Centro de Reflexão Cristã em LIsboa e foi proferida pela Maria José Salema".



1ª Sessão : O QUE É A MEDITAÇÃO CRISTÃ?



1. Introdução

Gostaria que as minhas palavras fossem acolhidas, essencialmente, como um testemunho.
É que a série de encontros que hoje se inicia foi pensada como uma partilha : a partilha do dom da meditação. São, pois, essencialmente, testemunhos de alguns dos meditantes
mais antigos que se propõem transmitir-vos o ensinamento essencial de John Main, também como uma experiência de vida, que actualmente é já partilhada por uma grande comunidade espiritual, com cerca de 3000 grupos que se espalham pelos cinco continentes. Foi, justamente, a sensação que tive no passado mês de Agosto na Malásia, onde participei, com mais uma portuguesa, a Maria Fernanda Paz, no retiro (Harmonia da Alma) e no Seminário John Main 2006 ( O Fogo do Silêncio através da Música e dos Místicos) e, a seguir, na peregrinação a Kuala Lumpur, ao local onde John Main teve o primeiro contacto com o monge hindu, o Swami Satyananda, que o iniciou na prática da meditação.

Na introdução ao pequeno livro, Uma Pérola de Grande Valor que, como quase todos sabem, é uma das bíblias dos praticantes da Meditação Cristã, Laurence Freeman chama-nos a atenção para a SIMPLICIDADE desta forma de oração. Ouçamo-lo : “Não há nada mais simples do que a meditação”. Ele sublinha, por isso, que, para aprender a meditar, não são necessários muitos conhecimentos sobre Meditação, pois ela nada tem de complexo : “Para meditar não é preciso aprender teorias complicadas ou ser-se exímio em qualquer técnica. Muito simplesmente, apenas se nos pede fidelidade – e fidelidade à simplicidade”. Claro que acrescenta que, como muito bem sabem os que se iniciaram nesta prática espiritual há mais tempo, “ser simples não é fácil”. É por isso que precisamos do apoio uns dos outros, quer nos grupos, quer em encontros como estes, e que precisamos de “inspiração para perseverarmos no que é uma DISCIPLINA SIMPLES MAS EXIGENTE”.

Eu conheci a Meditação Cristã ao ler A Bondade do Coração, título da tradução portuguesa do livro The Good Heart - A Buddist perspective of the teaching of Jesus, que reune os comentários do Dalai Lama a alguns excertos do Evangelho, por ocasião do encontro inter-religioso entre este grande mestre espiritual contemporâneo e os participantes do Seminário John Main, realizado em Londres em 1994.
Confesso que a ideia de uma oração contemplativa me seduziu imediatamente, pois era uma dimensão da oração que vinha ao encontro da minha busca de realização espiritual. Desde então, posso dizer que, dentro das limitações da minha condição de pecadora claro está, experimento na minha vida um sentido mais profundo da realidade divina, da presença de Deus, na sua Trindade, um sentido mais profundo da comunhão espiritual que me une a cristãos e não cristãos na procura do Reino de Deus, no acolhimento dos seus dons, dons de amor, de alegria, de paz, de plenitude.


2. Origem da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã. Objectivos da Oração Contemplativa

A prática da meditação cristã tem as suas raízes na tradição da Igreja. Deve-se a John Main, um monge beneditino irlandês (1921-1982), a redescoberta desta tradição contemplativa. A autora do prefácio de uma das suas obras (que para nós é também de cabeceira) A Meditação Cristã - Conferências de Gethsémani ( nome da Abadia dos E.U., no Kentucky, onde foram proferidas), Linda Nantel, realça o seu papel precursor e profético :

John Main fez-nos redescobrir o valor e a beleza de uma dimensão da tradição cristã durante muito tempo ignorada ou ocultada. Ele acreditava convictamente na vocação contemplativa de todo o ser humano.
O seu génio terá sido convencer-nos de que era possível fazer-se uma caminhada espiritual autêntica e profunda sem deixarmos de ser cristãos comuns que vivem e trabalham no mundo ( p.7).

Mas, em que consiste, afinal, esta forma de oração?

Nas conferências que, fez, em 1976, aos monges da comunidade cisterciense, a que me referi, John Main sublinha que

O objectivo da oração cristã é permitir que a presença misteriosa e silenciosa de Deus em nós, ou seja, presença que já está dentro de nós, se torne não apenas uma realidade (…), mas a realidade que dá significado, forma e razão de ser a todos os nossos actos, afinal, a tudo o que somos e fazemos ( 2ª Conferência, p.33).

“Pela oração contemplativa, nós encaminhamo-nos” – acrescenta ele –

para a experiência plena e total da presença íntima de Jesus em nós, (…), encaminhamo-nos para a plenitude de vida da Santíssima Trindade no mais íntimo do nosso ser ( 2ª Conferência, p.29).

E, mais adiante, diz :

Ao meditarmos, a nossa intenção não é pensar em Deus, no Seu filho Jesus ou no Espírito Santo. Quando meditamos, procuramos fazer algo incomensuravelmente melhor: procuramos estar com Jesus, estar com o seu Espírito Santo; não procuramos, prioritariamente, pensar em Deus ( 2ª Conferência, p. 32).

Trata-se de uma experiência de pobreza espiritual, tal como a pobreza do Evangelho, donde, afinal, tudo isto vem, a pobreza das bem-aventuranças, a pobreza do próprio mantra, a curta palavra-chave sagrada que apenas temos de repetir, continuamente, fielmente, na fé , conscientes de que, como nos lembrava em Junho o Padre Lino, nos entregamos a Deus, nos deixamos conduzir por Deus, numa aventura interior em que é Ele que tem a iniciativa.Exactamente o que nos diz, no século XIV, o místico inglês autor de A Nuvem do Não Saber , a terminar o capítulo XXXIV da sua obra, “Deus dá livremente, e de forma directa, a graça da contemplação, que não se pode alcançar através de nenhum meio” :

Em suma : deixa esse algo a que me refiro actuar em ti e conduzir-te para onde lhe aprouver. Que ele seja activo, e tu meramente passivo. Olha simplesmente para ele, e deixa-o agir por sua conta. Não te intrometas, como se quisesses ajudá-lo, para que não suceda que deites tudo a perder. Sê tu apenas a madeira, e seja ele o carpinteiro; sê tu apenas a casa, e seja ele o feitor que nela habita (…). Basta que te sintas agradavelmente impelido por algo indefinível, e que nesse teu impulso não haja nenhum pensamento em especial acerca de qualquer coisa inferior a Deus, e que a tua intenção se dirija nuamente para Deus.
Se assim acontecer, não hesites em acreditar que é Deus mesmo quem move a tua vontade e o teu desejo.
(…) Assim, estas minhas palavras, que a experiência iluminará, já te farão compreender um pouco que na contemplação não se empregam meios, e não é possível chegar àquela através destes ( pp.102-103).

Experiência, pois, de confiança total em Deus, de simplicidade. Mais uma vez cito John Main:

Estarmos, permanecermos simplesmente na sua presença (…) Simplesmente, estarmos com Ele, deixando que Ele nos transforme na pessoa que sonhou que viéssemos a ser ( 2ª Conferência, p.33).

3. Como meditar?

Para meditarmos temos de nos manter interiormente silenciosos e calmos. Precisamos de nos concentrar. O meio para conseguirmos essa quietude, essa concentração, é a simples utilização de uma palavra-oração, o mantra, tradição que nos foi legada pelos primeiros monges cristãos, os Padres do Deserto. No século IV, nos desertos do Oriente, do Egipto, Síria e Palestina, eles praticavam (como as Madres do Deserto, que também as houve) e ensinavam “ a simples disciplina da oração de uma só palavra”, uma fórmula simples “ que tinha o poder de evitar as inevitáveis distracções da mente.
O monge João Cassiano, um dos grandes mestres espirituais da Igreja Latina, que no século V compilou, num livrinho intitulado Da Oração, a doutrina espiritual que recebera dos seus mestres, monges célebres do Egipto, salienta a importância da repetição contínua de um versículo no qual nos devemos fixar :

Sim, que a alma retenha incessantemente esta fórmula, até que, fortalecida pela sua repetição constante e meditação contínua, venha a rejeitar e a recusar as riquezas e os abundantes bens de toda a espécie de pensamentos e, assim exercitada pela pobreza deste versículo, chegue, por um declive fácil, àquela bem-aventurança evangélica que detém a primazia entre todas as outras : Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus (Mt. 5,3) (Da Oração, Colação XI, p.93).

Pela meditação, integramos essa palavra sagrada na nossa vida, (para a Comunidade Mundial para a Meditação Cristã, MARANATHA, palavra aramaica que significa Vem, Senhor), integramo-la em todos os nossos actos, a fim de que ela nos conduza ao Senhor, face a Ele, à Sua presença.

Um pequeno texto da Comunidade de Meditantes do México, que adaptei, parece-me sintetizar bem O QUE É A MEDITAÇÃO?, tema que me propus tratar, e com ele termino :

A arte da meditação consiste simplesmente em aprender esta palavra, em recitá-la, fazê-la ressoar, repeti-la do princípio ao fim. É muito simples : “Ma-ra-na-tha”, quatro sílabas igualmente acentuadas. É quanto basta para aprendermos a meditar. Temos a nossa palavra sagrada, repetimo-la e permanecemos tranquilos, imóveis. Meditaremos todos os dias da nossa vida, 30 minutos de manhã e trinta minutos à noite.




Referências bibliográficas


- João Cassiano, Da Oração, trad. A. Correia Barbosa, O.S.B. Edições Ora & Labora, Mosteiro de Singeverga, 2001;
- Anónimo do séc. XIV, A Nuvem Do Não Saber, trad. Lino Marques Moreira, O.S.B., Assírio & Alvim, Lisboa, 2006;
- Marcel Driot, Os Padres Do Deserto, Paulus Editora, Lisboa, 2006;
- John Main, O.S.B., La méditation chrétienne - Conférences de Gethsémani, Méditation chrétienne du Québec, 1997;
- John Main, O.S.B., A Palavra Que Vem Do Silêncio, 2ª edição, Edições Paulinas, São Paulo, 1987;
- Laurence Freeman, O.S.B., Uma Pérola de Grande Valor, Medio Media, Brasil