A BELEZA DA ORAÇÃO CONSISTE NO FACTO DE QUE O ABRIR DO NOSSO CORAÇÃO É TÃO NATURAL COMO O DESABROCHAR DE UMA FLOR. PARA QUE UMA FLOR ABRA E FLORESÇA BASTA ESPERAR; PORTANTO, SE ESPERARMOS, SE NOS AQUIETARMOS E ASSIM PERMANECERMOS QUIETOS E SILENCIOSOS, O NOSSO CORAÇÃO ESTARÁ INEVITAVELMENTE ABERTO E O ESPÍRITO BROTARÁ DENTRO DO NOSSO SER. FOI PARA ESTE FIM QUE FOMOS CRIADOS. JONH MAIN, OSB (1926-1982)

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Arunachala





29 de Janeiro de 2007



A noite da lua cheia é um tempo auspicioso para fazer pradakshina, o andar à volta da montanha sagrada de Arunachala, no sul da Índia. É suposto primeiro banharmo-nos, depois andar descalço e com a mente pura os treze quilómetros à volta do cone de 800m que personifica a divindade Siva.Eu não me tinha banhado, não caminhei descalço e a minha mente não estava pura.Mas a caminhada com milhares de peregrinos reais, à volta deste, para mim, símbolo Trinitário, conferia não obstante verdadeira graça. A palavra pradakshina reúne muitos significados que explicam a razão universal das caminhadas sagradas aqui na Índia, o caminho para Compostela ou os labirintos das catedrais medievais: ela expulsa o pecado, satisfaz os desejos verdadeiros, destrói o karma e favorece o trabalho de libertação.


Os meus companheiros de caminho pareciam ter a sola dos pés de ferro ou talvez caminhar numa almofada de ar. Rodeava-os uma intensidade de propósito assustadora, um sentido que estavam certos do que faziam, quer andassem depressa ou devagar, falando ou em silêncio. A lua cheia brilhava. Ao caminhar-mos à volta do seu silêncio imutável, a montanha, como Deus, revelava de um modo intrigante e sedutor perspectivas sempre diferentes.


A luz “claro-escuro” e os efeitos do som ao longo do caminho dramatizam o sagrado sem chocar com o profano. Esta feira da vida completa representa a força admirável da experiência religiosa indiana na qual o místico e o sexual – como os símbolos genitais “linga e yoni” nos templos indianos – coexistem em modos que os missionários cristãos no passado, acharam desconcertantes ou mesmo pornográficos. A confusão e a variedade humanas da caminhada sagrada à volta da Arunachala juntam comércio e prece, divertimento e veneração com um desembaraço católico. Digam-me porque é que eu não devia estar aqui? Parece dizer se pensarmos que não devia. Nestes momentos eu pensei em Clemente de Alexandria dizendo que nada que não seja contra a natureza é contra Cristo. Barracas a vender comidas e bebidas, tendas bem iluminadas a vender cassetes religiosas e fotografias sagradas, santuários menores para o ritual momentâneo, cheiros de incenso e arroz delicioso embrulhados em folha de banana, muitos cheiros menos agradáveis, devotos de alguns gurus oferecendo os seus ensinamentos, motorizadas furando humildemente por esta multidão avassaladora. Não há um ponto definido de partida ou de chegada e nada parece interdito. O que é que se conseguiu quando se fez a caminhada? Andou-se à volta duma montanha na lua cheia com milhares de Hindus em fervor religioso e uma mão cheia de ocidentais cépticos tentando parecer naturais. Esteve-se na presença de Arunachala e fez-se uma visita a casa.

Esta presença atraiu peregrinos e devotos durante séculos, O mais conhecido dos tempos modernos foi um jovem indiano de 17 anos, classe média, de Madurai chamado Venkataraman e que ficou conhecido mundialmente como Ramana Maharshi. Em 1896 quando ouviu falar de Arunachala pela primeira vez, era um estudante médio de uma escola cristã interessado em futebol. O próprio som da palavra começou a mudá-lo. Um dia, alguns meses mais tarde e sem razão aparente começou a ficar aterrado com a ideia da morte.Decidiu explorar esse medo e deitou-se no chão como morto e aí, num flash, soube que o Eu é imortal. Compreendeu o Self e permaneceu nesse estado de Iluminação até à sua morte em 1950. Pouco depois desta experiência foi de comboio ao templo das mil colunas de Arunachaleswara no sopé de Arunachala. Sentou-se em estado de graça pela sua iluminação sem se preocupar com as necessidades materiais. Num outro mundo ele seria levado por homens de bata branca e medicado numa enfermaria fechada. Aqui ele foi cuidado e visitado por aqueles que viam a presença que ele irradiava. A história é como a de S. Bento que, em Sacro Speco, passou como ele anos de silêncio numa gruta antes de se tornar o centro de um ashram. Ao contrário de Bento, Ramana não deixou uma Regra- apenas o simples ensinamento de auto-análise, perguntar-se continuamente “quem sou eu?”. Mas como Bento o seu legado é muitas vezes dispersado pelo que tenta preservá-lo.


No dia seguinte era o aniversário de Ramana- visitantes e acontecimentos especiais, todos barulhentos e alegres, A gruta que, como a de S. Bento preserva a atmosfera da experiência original, estava inexplicavelmente, fechada. A escola bramânica no ashram estava de férias e os jovens estudantes jogavam voleibol brilhantemente. (Ramana tinha cortado o cordão Brahmin assim que regressou a Arunachala). A loja do ashram fazia bom negócio.


Como é que se pode institucionalizar a experiência de Deus? Todavia e apesar das falhas das instituições que ela produz, alguma coisa selvagem e livre como a pradakishna, sobrevive para testemunhar o que foi uma vez manifestado. E como Rumi uma vez declarou: tudo gira à volta do que ama.


Muito amor
Laurence Freeman OSB