A BELEZA DA ORAÇÃO CONSISTE NO FACTO DE QUE O ABRIR DO NOSSO CORAÇÃO É TÃO NATURAL COMO O DESABROCHAR DE UMA FLOR. PARA QUE UMA FLOR ABRA E FLORESÇA BASTA ESPERAR; PORTANTO, SE ESPERARMOS, SE NOS AQUIETARMOS E ASSIM PERMANECERMOS QUIETOS E SILENCIOSOS, O NOSSO CORAÇÃO ESTARÁ INEVITAVELMENTE ABERTO E O ESPÍRITO BROTARÁ DENTRO DO NOSSO SER. FOI PARA ESTE FIM QUE FOMOS CRIADOS. JONH MAIN, OSB (1926-1982)

domingo, agosto 19, 2007

A Meditação e a Mística do Quotidiano - apresentado pela Dra. Manuela Silva

Curso de Iniciação Meditação Cristã

6ª Sessão – 2007. 07. 14

Tema: A meditação e a mística do quotidiano

1. A experiência mística como uma dimensão do ser humano

A mística é uma dimensão da vida humana, ainda que nem sempre nos apercebamos disso.
Todas as pessoas têm acesso a esta dimensão da vida humana – trata-se de viver ao nível do nosso eu profundo e captar a realidade a esse nível, incluindo a Realidade outra, que está para além da nossa experiência sensorial.
É fazer a experiência do mistério de Deus presente na vida de cada um/a, no tempo e no espaço em que decorre a nossa existência.
É entrar no plano da Revelação do Deus uno e trino, o Deus de Jesus Cristo que nos revela o Pai e nos dá o Espírito Santo.
Trata-se de viver a vida na sua radicalidade mais funda.
É uma experiência que se faz “corpo”, isto é, encarna em gestos, atitudes e comportamentos concretos. É nesta encarnação que se faz o teste da sua autenticidade.

2. A mística do quotidiano

O quotidiano é o caminho mais normal de aceder à experiência mística, aquele que está ao alcance de todas as pessoas, qualquer que seja a sua idade e condição de vida.
É uma mística do olhar e do ouvido, do palpar, do falar, do saborear...
É uma mística de sentir alegrias e tristezas, temores e ousadias, angústia e paz, através daquilo que a vida nos oferece em cada dia...
Será uma mística de olhos profundos e contemplativos; de mãos parteiras da vida que vão ao encontro de qualquer parturiente que está pestes a dar à luz a vida nova, valores, esperanças...; pés solidários, buscadores incansáveis mesmo que sem muitas seguranças; ouvidos abertos, atentos aos gritos de dor e aos cantos de gozo do nosso mundo; boca profética que denuncia e anuncia que o reino está entre nós mas, todavia, ainda não chegou na sua plenitude, que permite sentir e apreciar o sabor da presença/ausência do seu Senhor, entranhas de miserircódia grávidas de vida; coração apaixonado, batendo a cada alento de vida. Uma mística de corpo sexuado que se torna encontro não discriminatório, que se faz pele cujos limites abarcam não só as pequenas fronteiras do eu mas o mundo inteiro e o cosmos, que reconhece como “corpo de Deus” (Emma Ocaña)
3. A meditação como um caminho para uma mística do quotidiano

A sabedoria do mestre japonês. Vd. Texto anexo
A meditação como meio para apreender a vida em profundidade. Vd. Texto anexo
3.1 Re-aprender a olhar
3.2 Ser uma pura escuta
3.3 Uma nova relação com os outros humanos
3.4 Uma nova atitude face ao trabalho

4. A meditação como acção de transformação do mundo
4.1 Transformação de si próprio/a
4.2 Entrar em sintonia com o mundo no seu devir
4.3 Compreender as dinâmicas da evolução em marcha
4.4 Procurar agir na direcção à luz, à verdade, à vida
4.5 Ser construtor/a da justiça e da paz


Manuela Silva
14 de Julho 2007



Texto Anexo

A meditação como outra forma de estar na vida

Uma postura de base
Van Graf Dürckheim conta que um japonês lhe perguntou quanto tempo ele consagrava à meditação. Dürckheim respondeu-lhe: Uma hora de manhã e uma hora à tarde. Oh! Disse o japonês, nesse caso, ainda nada compreendeste de que se trata. Se a meditação não encher todo o teu dia, não obterás qualquer resultado.

Temos que reaprender a perceber as coisas no seu estado original, evitando misturar nelas os nossos juízos, as nossas lembranças, as nossas experiências anteriores, as nossas aspirações. O nosso contacto com as coisas não deve estabelecer-se com base na percepção de uma aparência. Devemos encontrar a sensação original e pura. Pela aparência reconhecem-se as coisas: avaliam-se, colam-se etiquetas, mantemo-las nos limites do seu conteúdo objectivo, concreto.(...) mas, todas as coisas vêm a nós como um tu.”

Reaprender a olhar
... penetremos numa floresta. Há muitas maneiras de o fazer. Podemos ir como um lenhador ou como um amador de pássaros. Então temos diante de nós um objectivo preciso a partir do qual consideramos a floresta. Esta aparece-nos como um conjunto de árvores mais ou menos prontas para serem cortadas, ou como um refúgio para as aves mais ou menos raras. Nos dois casos, queremos extrair alguma coisa da floresta: madeira ou conhecimento, e a floresta não tem nada mais a dizer-nos. Não a deixamos existir por si própria. Na realidade, o lenhador não vê a floresta mas as árvores. Podemos, porém, ir à floresta de modo meditativo, sem procurar extrair o que quer que seja. Deixamo-la vir ao nosso encontro tal como ela é. Respiramos o ar puro, os nossos olhos vagueiam pelos troncos e os ramos, sentimos o solo debaixo dos nossos pés. Entregamo-nos à floresta. (Heine Schaeffer)

Quando reencontramos as coisas, não já a partir do eu superficial agressivo e ansioso, mas com o eu profundo, já não fazemos senão um com elas. Reconhecemos o nosso ser no seu ser e elas reconhecem-nos.

Ser uma pura escuta
Mesmo os barulhos da rua podem vir em nossa ajuda. Não pensemos que não se pode meditar senão num lugar tranquilo, numa atmosfera favorável. Se encontramos um tal lugar, devemos servir-nos dele com reconhecimento. Mas, em caso de impossibilidade, importa integrar o que perturba e fazer disso um amigo. E isso é possível. Temos de compreender que a nossa paz, a nossa calma interior, a nossa alegria não dependem das coisas exteriores, mas da maneira como nós lhes reagimos. O mais importante não é o que nos acontece, mas o modo como o tomamos. O mesmo sucede com o barulho. Não é o barulho que perturba a nossa meditação, mas a nossa reacção errada à sua irrupção.

Uma nova atitude para com os seres humanos
O ser humano que, através da meditação e a oração, encontrou o seu verdadeiro “eu”, no mais profundo de si mesmo, pode também reconhecer em tudo o verdadeiro “eu”. A partir do seu centro atinge o centro de tudo o que encontra. Torna-se mais sensível à máscara que os outros levam, à máscara que querem impor-lhe, a tudo o que impede o mundo de ser ele-mesmo diante de Deus.

Uma nova atitude face ao trabalho
A própria actividade deve tornar-se meditação. Enquanto não tivermos descoberto a relação justa entre actividade e meditação, estas entrarão em conflito uma com outra. (...) Não é o trabalho em si que é perigoso para a meditação, mas a nossa maneira egoísta, stressada e interesseira de trabalhar.

Transformar o mundo transformando-se a si próprio/a
Aquele/a que quer transformar o mundo deve começar por se transformar a si próprio/a. E aquele/a que começa por se transformar a si próprio/a em breve notará que começa a ver o mundo de modo diferente. O mundo parece-lhe outro. Aquilo que lhe parecia louco e caótico no mundo começa a tomar forma, a harmonizar-se. Certamente que as coisas continuam a evoluir, mas tomam outro significado. A partir daí, tudo contribui para manifestar o amor de Deus.
Para tanto, há que compreender que a tarefa humana não é apenas conhecer e dominar o mundo exterior, mas que o seu principal dever é a sua transformação interior. Estas duas tarefas não se opõem uma à outra. O ser humano transforma-se pela sua acção no mundo. O fim é sempre o de se tornar luz (Mt 5,14), não uma fonte luminosa independente, mas uma pura transparência à luz do Cristo que está em nós (Jo 8,12).

A profundidade última do coração é também a profundidade última do mundo. O antigo mundo desaparece e um mundo novo nasce: um mundo que não é o produto dum passado velho de milhões de anos, mas que se cria cada instante. Um mundo cujo fim é cantar o amor de Deus.

(Textos extraídos de W. Stinissen (1989) – Méditation chrétienne profonde, Ed. du Cerf)


14 Julho 2007