A BELEZA DA ORAÇÃO CONSISTE NO FACTO DE QUE O ABRIR DO NOSSO CORAÇÃO É TÃO NATURAL COMO O DESABROCHAR DE UMA FLOR. PARA QUE UMA FLOR ABRA E FLORESÇA BASTA ESPERAR; PORTANTO, SE ESPERARMOS, SE NOS AQUIETARMOS E ASSIM PERMANECERMOS QUIETOS E SILENCIOSOS, O NOSSO CORAÇÃO ESTARÁ INEVITAVELMENTE ABERTO E O ESPÍRITO BROTARÁ DENTRO DO NOSSO SER. FOI PARA ESTE FIM QUE FOMOS CRIADOS. JONH MAIN, OSB (1926-1982)

sexta-feira, abril 06, 2007

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Carta do Padre Lawrence Freeman

Queridos Amigos

Tinham-me dito que a Indonésia é uma das zonas mais densamente populadas do globo.A estatistíca tornou-se mais real à medida que avançavamos no trânsito de fim de tarde de Jacarta, para uma conferência sobre meditação, no dia anterior às recentes cheias. Uma das caracteristicas do caos organizado que tentávamos ultrapassar, são os rapazes e homens que se penduram perigosamente por um braço, do lado de fora do autocarro. Acenam vigorosamente contra os concorrentes por uns preciosos centimetros de espaço.Não são funcionários oficiais mas fornecem o seu serviço na esperança de alguns cêntimos que o condutor do autocarro lhes atire no fim da viagem.Como último recurso, que sempre acontece mais frequentemente aos pobres, eles atiram-se do autocarro e bloqueiam fisicamente o trânsito até que aquele consiga sair ou atravessar a fila de trânsito e seguir o seu caminho. Não é o trabalho mais saudável ou seguro e não tem grandes prespectivas de carreira mas tem o seu próprio grau de especialização e é preciso coragem. Lembrei-me destes controladores de trânsito tão empreendedores algumas semanas mais tarde, numa grande cidade ocidental ao visitar uma sala de negócios num banco internacional. Fila após fila os correctores, todos mestrados ou doutorados, sentados à frente do seu computador, verificavam as marés de riqueza, o tráfego do dinheiro no seu fluxo e refluxo à volta do mundo.Como os saltadores de autocarro em Jacarta estes correctores não tinham grande segurança profissional embora ganhassem melhores bónus. O maior contraste entre estes irmãos e irmãs da nossa família humana, prodigiosa e disfuncional, tocou-me particularmente neste tempo de Quaresma. Tinha a vêr com o corpo cujo valor é particularmente focado pela espiritualidade deste tempo e a sua atenção na preparação da Páscoa e para a celebração da Ressureição que é o verdadeiro modo de vida dos cristãos.

O corpo é a base da salvação (Tertuliano)

Os trabalhadores manuais como os trabalhadores de sexo e os terroristas suicidas empregam muitas vezes o próprio corpo como a última coisa que podem usar para sobreviver, ou, como devem ter feito crer aos jovens terroristas, para fazer sentir a sua presença e ouvir a sua voz.Para os desesperados o corpo é uma ferramenta. Para os ricos e os ociosos, aqueles cujas ansiedades giram à volta de como gastar o seu dinheiro, o corpo torna-se um ornamento ou uma mera embalagem.E isto não é apenas uma questão, como poderia parecer, de escolha egoista. Muitas vezes, reflecte profundo sofrimento devido ao nosso conflito interno gerado pelas forças condicionantes da sociedade. Recentemente encontrei uma mulher que lutava contra a tentação de gastar milhares num lifting facial que ela dentro de si própria sabia não querer, ou sequer precisar, porque, à sua maneira, era muito bonita. A filha, no entanto, acabara de fazer um e a pressão dos seus pares parecia quase irresistível.Entre os correctores sedentários, trabalhando apenas com os seus cérebros, havia os cultivadores do corpo, membros de ginásios de musculação depois da hora de trabalho e também aqueles cujos níveis de stress e infelicidade se reflectiam na negligência do corpo.

O corpo conta-nos a verdade como ninguém. A nossa relação com o corpo – que em si própria é uma expressão problemática – expressa a nossa maneira de estar no mundo e a nossa atitude com os outros. Pode ser apenas um objecto que exploramos, um sinal de desespero. Ou pode ser um valor com cuja aparência e bem estar nos tornamos obcecados, mais uma razão de viver do que um meio para viver. Pode ser uma ponte, um meio de misturarmos a nossa identidade com a dos outros. Ou pode ser um castelo onde erguemos a ponte levadiça e mantemos o inimigo cercado. Pode ser fisico ou tornar-se apenas puro conceito, uma coisa sagrada ou um fetiche.
O cuidado com a alma e todo o nosso desenvolvimento humano dependem do cuidado e, quando necessário, da cura do corpo. Esta é a sabedoria universal das tradições espirituais e o significado de ascetismo. A Quaresma ou o Ramadão não são apenas tempos de sofrimento. A vida traz sofrimento sem termos de o induzir. A dor, o desapontamento e a perca podem-nos aproximar da verdade e da libertação, mas também o podem o prazer, a alegria e a realização. Como diz Simone Weil, tanto o sofrimento como a alegria são mensageiros. Nós sentimos e conhecemos através, com e no corpo.Estas preposições aplicam-se ao corpo e dão sentido substantivo ao pensamento.

Espiritualmente o corpo é um instrumento de elevação da consciência e desenvolvimento da nossa participação na grande dança do universo. A “Nuvem do não saber” expressa a atitude saudável da fé cristã para com o corpo quando nos diz “por amor de Deus evitem a doença tanto que possivel” e “este trabalho(de meditação) exige uma atitude vigorosa, saudável e descontraida do corpo e do espirito. Por amor de Deus disciplinem-se no corpo e no espirito para poderem presevar a saúde o maior tempo possivel.” ( cap. 41 ). No capitulo seguinte, “ a Nuvem” trata de um dos assuntos perenes da jornada espiritual – como atingimos moderação em tudo sem nos tornarmos excessivamente auto-concientes em relação a isso. A sua explicação reflecte o tom da tradição mistica maioritária. Alegra-te com o acontece. E eleva o teu coração “ com uma vibração de amor total”.

A Oração verdadeira começa quando já não nos damos conta de que estamos a rezar.(Isaac de Nineveh)

A Quaresma é tradicionalmente um tempo de oração, jejum e dádiva de esmolas. Mas não os deixamos depois do Domingo de Páscoa? S. Bento diz- nos que a vida monástica – o monge é apenas um cristão tipico – é uma Quaresma contínua. Vivemos toda a nossa vida com um sentido de expectativa. Mesmo quando concretizamos as nossas esperanças ou realizamos os nossos objectivos, não sentimos ter chegado ao destino final. Ser consciente no corpo é ter consciência de tudo como transitório.É a consciência da “ cidade impermanente” que S. Paulo descreve e é o vazio ( sunnyata) do Budismo.

Viver com esta compreensão da impermanência e ao mesmo tempo estar satisfeitos com o que temos e aceitar quem somos é um acto de harmonização que temos que aprender a melhorar todos os dias. A Quaresma seria sem sentido, um tempo de auto- fixação, pouco melhor do que um ginásio espiritual espelhado, sem a sua relação com a Páscoa. A disciplina sem a celebração falha completamente.No entanto, são ainda períodos diferentes do ano e, se o ano litúrgico simboliza a duração da vida humana, ele é também uma metáfora dos diferentes niveis a que fazemos esta viagem. A Quaresma expressa a necessidade que sempre sentimos de clarificar, simplificar e continuo recalibrar. Só no domínio conceptual poderemos imaginar estados fixos e imutáveis. Ficar nessa ciber- esfera é desastroso para a causa da plenitude e felicidade humanas. Numa consciência integrada vivemos com os altos e os baixos, os ritmos da existência que nos podem acordar para uma quietude e uma estabilidade mais profundas, mas não nos enganam ao ponto de nos pensarmos extra-terrestres.A Quaresma faz-nos lembrar da humildade, da realidade terrena de reequilibrar os instrumentos musicais do corpo e do espirito. Fala-nos da necessidade de auto-controle como meio para a felicidade, de nos libertarmos de uma auto-consciência dividida e de aumentar a nossa capacidade de alegria. Na Quaresma diária da vida aprendemos a sabedoria da moderação da qual agora dependem a nossa própria felicidade e a sobrevivência da nossa espécie.

A Páscoa é um tempo de glória. Toda a boa celebração requer um tempo de preparação – uma festa, uma festividade ou um lançamento. A preparação é ela própria agradável se tivermos o sentimento de que o que vamos celebrar vale a pena. De facto o próprio processo de ficar pronto torna-se uma forma de celebração. Onde é que acaba um e começa o outro? É por isso que as Escrituras não descrevem o momento real da Ressureição. Os discipulos foram avisados antecipadamente mas não perceberam. Portanto ficaram submersos pela tristeza e pelo medo. Quando se aperceberam da presença de Jesus acima e para além da morte, a Ressurreição já tinha acontecido. Estava neles e eles estavam nela.

Como na meditação, pelo menos quando já não nos observamos, a experiência Pascal ultrapassa a congestão habitual da mente causada pelo trânsito imcompativel do passado e do futuro. A Páscoa é uma experiência de sermos cobertos por uma luz, inesperada e imerecida, no presente.A Graça é sentida como a pura gratidão por estarmos vivos. Inunda-nos duma profundeza inobservável dentro de nós mas o seu brotar apaga as fronteiras imaginárias entre o interior e o exterior.

O que costumamos chamar oração é apenas uma parte dela (Origenes)

O corpo não se perde na experiência da Ressurreição que nos eleva para além de todos os ciclos da morte e do renascimento. Quer acreditemos quer não nestes ciclos continuando depois da morte, eles são plenamente visiveis nas experiências de perca e encontro que constituem o sentido espiritual da vida. A consciência fisica – que é o que realmente significamos com o corpo, porque, como tudo o resto, é uma forma de energia consciente – é um critério sólido para a saúde e bem estar humanos entre o fluxo e o refluxo. O corpo, assim como ajuda a manter o equílibrio, o auto- controle, a espontaneidade, a alegria e a compaixão, também os torna visiveis. As histórias de Ressurreição do Evangelho parecem tão estranhas e no entanto tão claras e familiares por causa da luz sem sombra em que acontecem.

Durante a noite, depois da minha experiência de engarrafamento em Jacarta, a cidade foi fustigada por uma das piores cheias de que há memória. No caminho para a conferência na Universidade Católica tivemos que fazer muitos desvios e ficámos preocupados com o caminho de regresso, à noite. Estas eram pequenas preocupações comparadas com o desastre que se tinha abatido sobre os pobres. Quando contornávamos a cidade, vimos como a água devastara as zonas mais pobres e mais baixas. Casas, mercados e lojas tinham sido destruidos. A água iria eventualmente baixar mas, como Hendra, o nosso coordenador nacional com quem eu viajava, observou, isso seria apenas o começo da doença e das epidemias que trariam sofrimento maior e mais prolongado.

Hendra é um jovem médico que trabalha especialmente na assistência e na prevenção da sida em toda a Indonésia. Desde que começou a meditar, há alguns anos, depois de entrar num grupo em Bangkok durante uma conferência, ele tem partilhado o dom do ensinamento sempre que viaja pelo país. Devido ao seu trabalho, há provavelmente uma maior proporção de médicos que fazem meditação na Indonésia do que em qualquer outro lugar. Mas a meditação entrou na vida da Igreja a todos os níveis. Em Malange, a minha palestra foi apoiada pela Sociedade de Adoração e eu visitei-os e rezei com eles num centro muito bonito, devotado a esta forma de oração. Eles pediram-me que descrevesse como a adoração da presença de Cristo na Eucaristia se relaciona com a meditação e com a presença da oração de Cristo no coração.Eu tentei fazê-lo o melhor que podia por palavras, mas a verdadeira explicação veio no silêncio que partilhámos durante a meditação, mais tarde nesse dia.

Segundo John Main não há realmente formas de oração, só oração. Isto faz sentido apesar da óbvia diversidade dos modos como rezamos-porque o efeito da oração sente-se.O seu efeito é uma simplicidade, uma pureza de coração e uma visão unificadora que transforma tudo onde põe a sua atenção. Se a presença é realmente sentida nos nossos corações, o verdadeiro centro da consciência, então ela vai impregnar tudo. Para os que estão unidos a Cristo, há uma nova criação, como diz S. Paulo. Nesta experiência as antigas dualidades fundem-se. A oração já não se reduz à obrigação ou ocupação consciente que nos observamos a praticar. A oração também acontece através de nós. A vida expande-se para além de todas as limitações e damo-nos conta de como “estamos a ser orados”.

A compaixão – o poder de experenciar com e o que os outros estão a viver – torna-se então um modo mais significativo de perceber a vida da nossa familia humana, do que a caridade. Se todos estivessem imbuidos de compaixão não haveria necessidade do que chamamos filantropia e caridade organizada, de angariação de fundos, luta por programas de ajuda, reclamar subsidios atribuidos pelos governos, de instituições de caridade que às vezes têm que colaborar com as próprias forças de injustiça que as tornam necessárias. Até esse dia, no entanto, elas são todas necessárias. Mas uma mudança estrutural mais profunda, uma mudança real duradoira, é conseguida através da consciência contemplativa, não só através dos trabalhos corporais de misericórdia: através da contemplação de Marta e da acção de Maria. Para servir todos temos que nos tornar nada.

Os pobres vão estar sempre connosco, avisou Jesus. No entanto, reduzir o grau e a desumanidade da pobreza é também o maior desafio – a expressão fisica do Reino que não pertence a este mundo. A oração não acaba quando nos levantamos e vamos trabalhar.

Se quiseres rezar precisas de Deus que dá a oração aos que oram ( Evagrius)

Desde a infância, o verdadeiro principio da consciência, que sofremos as ansiedades da insegurança. Terá a criança comida ou atenção maternal suficientes? O que aconteceria se...? Assim construimos hábitos e casas para reforçar padrões que são sempre mais ténues do que gostamos de admitir. A necessidade de segurança também se estende do nível fisico ao mental, através da acção do ego a trabalhar em hierarquia, do reforço dos modos correctos do pensamento e acção, e do policiamento da conformidade social. Muitas vezes a religião, ainda mais do que aquilo a que chamamos a esfera secular, pode criar substitutos para Deus. O profeta lembra-nos isto mais vezes que o padre.

Na oração, no entanto, rebentamos o anel de segurança e irrompemos na liberdade de filhos de Deus, livres de ser nós próprios. Esta mesma liberdade que pensamos querer pode também tornar-se uma fonte de ansiedade. Afinal, há segurança nos números e algum grau de previsibilidade nas rotinas. Mais uma vez, é o agir harmonioso como caminho espiritual. Como prudentemente sabia S. Bento, temos que dedicar-nos à conversão nada menos do que à estabilidade.

A oração é o centro de gravidade espiritual cada vez mais profundo, o pivot do equilibrio humano. No mundo futuro a oração é o maior campo de pesquisa e desenvolvimento. Negá-lo é como negar a evidência do aquecimento global, simular uma dúvida a que honestamente não nos podemos dar ao luxo de ceder. É a prática do momento presente, que por isso nos dá a sanidade, uma relação certa com o passado o futuro. A esperança da salvação do mundo, segundo o Livro da Sabedoria, reside no número de pessoas sábias.

Compreender a natureza da oração e praticá-la é a responsabilidade da religião em nome de toda a humanidade. Baseia-se numa atitude não dual em relação ao corpo, onde o corpo é tratado nem como um objecto nem como um conceito, mas como um instrumento de beleza e podígio que medeia o significado da alegria e do sofrimento. Muito do interesse da espiritualidade hoje em dia reflecte um desequibrio nas atitudes cristãs em relação ao corpo, que se desenvolveram devido a certas ideias e medos quanto à sexualidade. Ao aprofundar a experiência da oração, guiando-nos da mente para o coração, estes desequilibrios profundos podem ser corrigidos. Se virmos a luta histórica da fé Cristã como o confronto com as forças obscuras do paganismo, é mais fácil compreender como este desequilibrio ocorreu. É ingénuo fingir que estas forças obscuras não existem – que as formas da religião nascente eram todas idílicas – ou que não infiltravam ás vezes mesmo os seus opositores. Elas são entendidas sobretudo como mecanismos de controle do medo e no contexto do inconsciente obcecando a imaginação.

O evangelho trouxe uma mensagem de esperança na sua afirmação de um Deus que não castiga, no dom da graça e na mensagem da transcendência cármica pelo amor. Mas teve – e ainda tem – que enfrentar uma idolatria que mantém a alma humana num estado de divisão e fragmentação dependente dos caprichos de vários deuses. Como a religião, no entanto, tenta ultrapassar a idolatria, ela arrisca-se a empurrar as pessoas para os extermos de um espectro que vão do ritualismo mágico à fria ideologia. O conflito amargo entre os chamados conservadores e os progressistas reflecte isto no nosso tempo. Os deuses ainda estão por cá, nomes de marca e celebridades bem como os medos e a paranóia colectiva de que parecemos dependentes. O ensino da tradição mistica aos adultos e o ensino da oração contemplativa ás crianças tornam-se tão mais indispensáveis em tempos de turbulência religiosa como o nosso. A religião que não dá resposta a esta necessidade de aprofundamento espiritual arrisca-se a colapsar em formas que era suposto transcender.

Tudo e nada (S.João da Cruz)

A meditação transporta-nos para além da dualidade, da divisão e fragmentação da nossa ideia de divindade, para a experiência curadora de um Deus. O efeito benéfico da contemplação purifica gradualmente o coração e permite a visão de Deus. O “único olho” de que fala Jesus desenvolve-se através da unificação da nossa consciência. A duplicidade de visão funde-se numa coincidência mais ampla dos opostos.

E no entanto a oferta de um pudim caseiro com creme de maçã pode ainda revelar uma delicadeza e uma bondade no fundo da natureza humana que é a nossa verdade universal. O teste da Quaresma e da Páscoa é que ele combina a preparação e a celebração com uma normalidade diária que só a criança ou o sábio podem ver claramente.

Precisamos da disciplina da prática diária na qual cada meditação é uma Eucaristia. Sem a experiência contemplativa é fácil resvalar para a idolatria, a superstição, a dúvida ou a superficialidade.Precisamos da comunidade que ajuda a ensinar e apoiar esta disciplina. E todavia a disciplina e a comunidade apontam para um bem maior e uma maior simplicidade em que não é preciso qualquer esforço, onde a nossa verdadeira natureza se manifesta na sua própria luz, onde a presença do Cristo Ressuscitado aparece sem, inicialmente, sequer reconhecermos quem Ele è.

O grande mestre tibetano Dilgo khyentse disse que “nós somos um simbolo da nossa própria iluminação” e isto expressa uma verdade que se encontra no âmago de toda a tradição contemplativa. Posto em prática, quer dizer que devemos ser fièis à nossa meditação mas não a complicar ou a pôr numa categoria esotérica. Nada é mais simples, mais natural que o caminho para o Pai, que Jesus torna humanamente visivel. Precisamos de ajuda – não para fazer Deus acontecer – mas para permanecermos simples e naturais e em contacto com a nossa bondade divina, intima e inata.

Como Jesus disse a Maria Madalena e também ensinou aos discipulos no caminho para Emaús, a realidade não é algo a que nos possamos agarrar ou sequer ver objectivamente. É necessária a meditação para a maioria de nós compreender o que Ele quer dizer. Dá-nos uma nova capacidade de nos entregarmos ao trabalho sem apegos, de entrarmos completamente e sair dele, deixando apenas a verdade. Não há nenhuma medida ou sentido de meditação boa ou má. Há o tentar e o desistir, que realmente são diferentes, mas mesmo o desistir se torna uma graça, quando voltamos e começamos de novo.Só provando sabemos o sabor da comida. Conhecê-las- eis pelos seus frutos – e pelos frutos da meditação conhecemo-nos a nós próprios.

Á medida que a transformação silenciosa da mente continua, à medida que a prática diária acontece, sabemos que alguma coisa está a mudar, porque nos relacionamos e reagimos às coisas de um modo diferente. O que nos fazia perder a cabeça, pode agora apenas fazer-nos sorrir. O que nos causava tristeza, torna-se uma aprendizagem de que estamos gratos. É este novo modo de ver e ser que, também, a seu tempo, nos abre para Aquele que ressuscitou e não nos deixou sós. Vemos isto em e com todos os nossos irmãos e irmãs e assim começamos a aprender novas maneiras de viver juntos.

Muito amor
Lawrence Freeman OSB

Ùltima sessão do curso meditação Cristã

Chamo-me Luisa, sou casada com o Manel, que abordou o 2º tema, sobre o Jonh Main,e pediram-me para vos falar sobre a roda de oração, mas antes, se não se importam, vou começar por lhes contar como foi a nossa 1ª abordagem à Meditação Cristã. Estávamos em Londres vindos de um encontro do Renovamento Carismático em Walsingham. Era Domingo e estávamos a combinar a que missa iríamos assistir. Alguém sugeriu que fossemos ao Brompton Oratory onde a missa era rezada e cantada em latim, quando a Teresa Rocha, aqui presente, sugeriu irmos ali mesmo ao pé ao Centro de Meditação Cristã… E lá fomos completamente às cegas sem imaginar ao que íamos. Chegámos a uma casa tipicamente inglesa, com uma entrada pequena com uma escada à direita aonde nos aguardava uma senhora com uma cara sorridente que nos perguntou de onde vínhamos, nos pediu para tirarmos os sapatos e como faltavam uns minutos para começar a missa nos ofereceu umas bolachinhas. Entrámos então para a sala com uma “bow window” que dava para um pequeno jardim, onde estavam dispostas várias cadeiras almofadas no chão e alguns banquinhos de madeira. Quem ia celebrar era o Father Laurence Freeman que por sua vez estava sentado no chão de pernas cruzadas com uma mesinha baixa a servir de altar. Respirava-se uma grande simplicidade e harmonia. Logo a seguir à distribuição da Comunhão, o Father Laurence explicou muito brevemente que se iriam fazer 20 minutos de meditação pedindo-nos para nos manter sentados confortavelmente tentando manter as costas bem direitas, respirar calmamente e repetindo sem parar uma palavra –mantra, que ele aconselhava que fosse MARANATHA, e nos mantivéssemos em total silêncio tentando não pensar em nada. E assim foi! Fiquei, ficámos entusiasmadíssimos e seduzidos com esta forma de oração, e ao chegarmos a Lisboa começamos a tentar fazê-la individualmente a reunir uma vez por semana em casa da Teresa Rocha


Já lá vão 15 anos. E temo-nos mantido fieis a este encontro semanal, por onde já passou muita gente e do qual já se formaram dois grupos aqui em Lisboa.

Depois desta introdução vamos ao tema de hoje que, como já foi dito, é a “.Roda de Oração”.
Começo por isso, por ler a” Alegoria da Roda ”, de Laurence Freeman, que foi a base de inspiração deste texto. (Quem quiser no fim, pode levar uma fótócópia).

“A oração é como uma grande roda.
Uma roda que encaminha toda a nossa vida para Deus.
Os raios da roda representam diferentes tipos de oração.
Representam, por exemplo, a Eucaristia, os outros sacramentos, a oração bíblica, a oração de petição e de intercessão, a oração carismática, as devoções, o rosário, etc. Sendo nós diferentes uns dos outros, preferimos tipos de oração diferente. Também rezamos de maneiras diferentes, em momentos diferentes da vida, dependente de como nos sentimos.
Mas o que unifica todas estas diferentes formas de oração é o estarem centradas no eixo – em Cristo. Os raios da roda são apenas formas ou expressões de oração que convergem para o centro: esse eixo é a oração do próprio Jesus.
No centro da roda, no eixo de oração, há quietude / tranquilidade / paragem. Sem essa quietude no centro não pode haver movimento, nem crescimento na roda e na vida.
A Meditação é a demanda desse centro, exprime o desejo de encontrar, a busca em nos identificar e unir com o Espírito que nos habita.”

O objectivo da meditação é atingir o centro da roda onde há quietude.

Jonh Main disse um dia: “Não pretendo afirmar que a meditação seja a única forma de atingir o centro, o encontro profundo consigo mesmo e com Deus… mas afirmo que essa é a única maneira que encontrei.
Mas como chegar a esta quietude? A resposta parece fácil: Mantendo-nos silenciosos, quietos e simples.
De uma maneira geral, apetece-nos muitas vezes estar em silêncio, até para combater o barulho que nos rodeia constantemente.
Jonh Main diz que aprender a estar em silêncio nos períodos de meditação ensina-nos a rezar em todos os momentos e que em silêncio aprendemos a linguagem universal do Espírito.
O mestre Eckart, 1260-1320, dizia que não havia nada que melhor se parecesse com Deus, como o silêncio.
O silêncio na oração, como entre duas pessoas é um sinal de confiança e de aceitação.

Quanto ao estar quieto, não significa ficar inerte, e como diz o Father Laurence:” Conhecer Deus equivale a estar plenamente vivo e atento”.

Quando tentamos fazer a meditação se as costas não estiverem direitas, sem querer abandonamo-nos e num instante, deixamos de estar alerta e caímos numa modorra que nos leva quase a adormecer. Assim, uma boa postura é muito importante.

O estar imóvel, ajuda-nos a tomar consciência de que o nosso corpo é sagrado “Templo do Espírito Santo”. No entanto a outra dimensão da quietude,”stilness”, é interior. E este é o grande desafio deste tipo de oração, pois é difícil lidar com a nossa constante actividade mental.

Os Budistas afirmam, que se efectuam 151 operações mentais em simultâneo, desejos, sonhos, projectos, esperanças, podem dominar o nosso espírito.

O salmo 46 diz: “Ficai calmos e sabei que eu sou Deus”

Por fim, a simplicidade


Todos gostaríamos de ser simples mas não é fácil. Estamos constantemente a analisar os nossos sentimentos, motivações, os outros, e isso torna-nos muito complicados.

Mas, Deus é simples. O amor é simples, a meditação é simples. Ser simples significa ser autêntico, ou seja ir para além da consciência de si próprio e da auto-análise.

Esta oração conduz-nos ao silêncio, à quietude e à simplicidade por um processo silencioso e simples. Este processo é a repetição de uma palavra sagrada ao longo do tempo da meditação. Essa palavra como todos já sabemos chama-se “mantra”. Recordo que esta forma antiga de oração cristã foi redescoberta pelo monge beneditino John Main para cristãos dos tempos modernos e ensinou-nos que para meditar devemos:

- Sentarmo-nos e permanecermos quietos, de costas bem direitas.
- Fechar os olhos.
- Repetir o “mantra” interiormente e de forma contínua.
Esta invocação, é em primeiro lugar uma maneira de nos abrirmos à presença misteriosa de Cristo no nosso intimo segundo a sua palavra:”O reino de Deus está dentro de vós” Luc.17,21. Convém que o mantra que escolhermos seja sempre o mesmo afim de que se possa enraizar no nosso coração. Esta fidelidade desperta o sentido da oração contínua seja quais forem as nossas actividades, quando andamos na rua, estamos no dentista, ou no duche, o mantra pode surgir silencioso, natural, afim de que ao dirigir a nossa consciência para Deus, vivamos na sua presença e sejamos como Ele.
Deve-se escolher um lugar calmo, um momento de tranquilidade de manhã e à noite e meditar aproximadamente, 20 a 30 minutos de cada vez.

Um “mantra” ideal é “maranatha”, que significa em aramaico, que era a língua de Jesus, “. Vem Senhor”. Mas ao dizê-la, ao repeti-la, não devemos pensar no seu significado. Devemos dizê-la pausadamente apoiando cada uma das sílabas, sem nada esperar. E quando surge uma distracção retomá-la calmamente.
Para os Padres do Deserto e João Cassiano, a invocação do mantra, não é uma técnica mas uma disciplina que conduz à pobreza espiritual de que fala o Envagelho , ou seja o abandono de todas as riquezas do pensamento e da imaginação

Não devemos fazer pedidos nem criar qualquer expectativa.
Não devemos avaliar a nossa meditação,
Mas integrá-la na nossa vida e viver cada dia as suas consequências.

A este respeito vou citar uma curiosidade quase histórica. Um enxerto de uma carta de1982 de John Main à Teresa Rocha aqui
presente.
A Teresa numa carta anterior ter-lhe-ia dito que tinha escolhido como mantra, “creio em ti, mas aumenta a minha fé. E John Main
Responde-lhe: “Quanto ao mantra aconselho uma frase ou palavra que não se refira a si própria. Geralmente, as palavras, eu meu, minha, nunca deveriam aparecer no nosso tempo de oração. O nosso objectivo é perder-mo-nos em Cristo para podermos dizer como S. Paulo. “Não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” .Esta é a razão porque sugiro “Maranatha”,”Jesus” ou “Abba”, ou “Pai”ou qualquer outra palavra não centrada em nós próprios.”

Para acabar não queria deixar de comentar convosco as inúmeras vezes que sou abordada sobre o interesse da oração. Para quê rezar? A este propósito vou contar uma história que li num dos livros sobre meditação cristã a que achei muita graça. Um jovem perguntou a um mestre de oração cristã, para que servia a oração…
O mestre respondeu: “para experimentar Deus.” E que é isso de experimentar Deus?” retorquiu o jovem. O mestre respondeu: “experimentar Deus é cheirar a Deus”. –“ Cheirar a Deus?... isso é muito estranho… percebo cada vez menos…”
Então o mestre contou uma parábola: “Um dia Deus aproximou-se de uma pessoa e deu-lhe um pequeno recipiente. de vidro contendo a sua divindade A pessoa nem queria acreditar… tinha nas suas mãos o próprio Deus! Correu para casa, pegou num colar de oiro muito valioso e pendurou nele o recipiente sagrado .Podia andar com Deus ao pescoço por todo o lado. Deus repetiu o gesto com outra pessoa. Ela também extasiada, correu para casa preparou um altar lindo revestido de pedras preciosas, acendeu velas e incenso para que o recipiente que continha o próprio Deus pudesse ser adorado.
Uma terceira pessoa teve igual presente de Deus. Cheia de curiosidade correu para um laboratório e fez todos os testes possíveis ao recipiente de vidro que continha o próprio Deus. Uma quarta pessoa foi ainda presenteada por Deus com igual recipiente. Ficou fascinada pelo mistério que estava tocando… mas, de imediato, abriu o recipiente, derramou-o na sua cabeça, respirou fundo, sentiu o cheiro maravilhoso do perfume que tinha derramado sobre ele, e saiu espalhando aquele perfume por onde passava.

É para isso a oração: Para respirar o mistério de Deus saborear a sua presença… e sair por aí espalhando o cheiro de Deus na vida das pessoas.


Obrigado pela vossa atenção.

24.3.07





Bibliografia –A Meditação Cristã A nossa oração quotidiana