A BELEZA DA ORAÇÃO CONSISTE NO FACTO DE QUE O ABRIR DO NOSSO CORAÇÃO É TÃO NATURAL COMO O DESABROCHAR DE UMA FLOR. PARA QUE UMA FLOR ABRA E FLORESÇA BASTA ESPERAR; PORTANTO, SE ESPERARMOS, SE NOS AQUIETARMOS E ASSIM PERMANECERMOS QUIETOS E SILENCIOSOS, O NOSSO CORAÇÃO ESTARÁ INEVITAVELMENTE ABERTO E O ESPÍRITO BROTARÁ DENTRO DO NOSSO SER. FOI PARA ESTE FIM QUE FOMOS CRIADOS. JONH MAIN, OSB (1926-1982)

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Quaresma 2008

Carta do Father Laurence



O que fazer na Quaresma? É uma pergunta muitas vezes feita hoje em dia em tom jocoso. A ideia de “exercícios espirituais”, ou ascetismo, tornou-se demasiado ligada a ideias negativas de religião à auto-rejeição ou rigidez. E, no entanto, a pergunta é muitas vezes feita e liga-se à necessidade de nos envolvermos profundamente no caminho espiritual., e portanto, para todos nós mas, especialmente, entre as pessoas com uma prática espiritual consciente, é uma pergunta pertinente.

Muitas religiões têm períodos semelhantes de prática ascética intensa – o Ramadão, os retiros budistas e hindus - . Para a Quaresma cristã, olhar os 40 dias que Jesus passou no deserto, antes de começar com o ensinamento público, oferece-nos esta oportunidade de renovação e fortalece os nossos compromissos e a nossa devoção ao Caminho. A Quaresma é o tempo anual em que a Igreja pratica exercícios espirituais, cujo ponto fulcral é Jesus como caminho de salvação e santificação. Como sincroniza com a celebração da Páscoa, é também um reflexo experiencial do modo como este desejo humano é radicalmente compreendido pela mortalidade de Jesus. Portanto, de acordo com isto, a Quaresma envolve os aspectos físicos do nosso processo espiritual. Devíamo-nos sentir melhor tanto física como psicologicamente depois de uma Quaresma bem vivida.

Mas é, precisamente, por causa disto que é tão difícil perceber a Quaresma para tantas pessoas modernas, e como elas a descartam como o desistir de prazeres que tantas vezes parecem inofensivos ou infantis. Precisamos de uma percepção litúrgica sacramental das coisas, para tirar daqui algum sentido. A liturgia e a oração pública elevam o indivíduo do estado pulverizado para a comunidade. É verdade que também o podem fazer um jogo de futebol, um Carnaval no Rio, ou um concerto rock – até certo ponto. Uma liturgia vai mais longe do que estas experiências de conjunto, aprofundando o sentido de comunidade que cria – em última análise não o de uma equipa, uma tribo ou um partido, mas o de toda a humanidade – realizando e promovendo a integração feliz de corpo e espírito. A liturgia é sobre a presença física. Não se pode realizar por procuração ou virtualmente. É, finalmente, do que se trata quando se vai à missa ao Domingo. Mas a liturgia é muito mais do que isso.

O ciclo litúrgico do ano costumava integrar-se totalmente nos calendários social e político. Havia apenas um calendário para todos – isto também tinha os seus perigos e ciladas – enquanto que hoje temos vários calendários paralelos, reflectindo as nossas múltiplas identidades, muitas vezes competindo entre si. Se temos algum calendário litúrgico na nossa vida, ele está, geralmente, subordinado – o trabalho ou o lazer têm em geral mais peso. Embora tenhamos ganho alguma liberdade pessoal ao termo-nos desligado das estações litúrgicas da Igreja, também perdemos bastante. Para muitos a vida hoje é uma planície cinzenta, sobre a qual os estímulos artificiais e as distracções do entretenimento ou trabalho, em excesso, passam como padrões atmosféricos indiferentes. Por contraste, um sentido do tempo litúrgico narra uma história sagrada – para os cristãos uma narrativa histórica - para o nosso quotidiano e em momentos especiais. Como a festa móvel da Páscoa reflecte, baseada como é nas fases da lua, t pode lembrar-nos que, apesar do ambiente artificial que criámos, também habitamos um mundo natural que canta nas nossas veias.

Na Quaresma não lembramos apenas Jesus indo para o deserto para ser tentado .Compreendemos que nós, também, temos um deserto pessoal para entrar, no qual aprendemos a confrontarmo-nos com essas forças da sombra, que todos os que estão interessados na “iluminação” têm que enfrentar. A velha linguagem da luta com Satanás ou a guerra espiritual têm que ser parafraseados hoje em dia, mas não deviam ser muito rapidamente postas de lado, porque tocam aspectos reais do nosso crescimento e cura. Os mestres do passado expressavam isso dizendo que nós construímos as nossas defesas contra o poder das trevas, através dos exercícios espirituais que fazemos na Quaresma. Tornamo-nos mais fortes a lidar com problemas e dificuldades que se nos deparam, não só dentro de nós próprios, mas também nos acontecimentos inesperados da nossa vida.

Assim, uma boa preparação para perceber a Quaresma, depois de ler Isaías 58, é ler as narrações do Evangelho da tentação de Cristo no deserto – Mt. 4:1-11, Mc 1:12-15 e Lc. 4:1-13. Estas diferentes narrações reflectem uma variedade de interpretações possíveis e fariam um bom material de lectio. O que é que tenta Jesus? Qual é a base da sua rejeição destas falsidades e ilusões? Porque é que Ele emerge do deserto depois do baptismo, pronto para iniciar a sua missão?

Uma percepção litúrgica do tempo transforma as nossas histórias individuais em algo maior. Expande os nossos horizontes ao mesmo tempo que desafia o imperialismo e territorialismo mesquinhos do ego. Uma vez que começou a fazer parte do nosso sentimento sobre o significado do tempo, abre-se também uma visão sacramental. Isto liga-se, intrinsecamente, à nossa totalidade – corpo e espírito -. Ver as coisas sacramentalmente é ver o valor sagrado do físico e até do mundano. É saber que o mundo está carregado da grandeza de Deus. Permite-nos saborear a beleza e o espanto das coisas, sem destruir o que gostamos nelas com análises compulsivas ou reducionistas. Particularmente nesta altura do ano, no hemisfério norte, podemos ler o livro sagrado da natureza com uma emoção especial. Na Primavera vemos a magia da vida nova empurrando as folhas mortas. Vemos pequeninas flores de uma beleza cósmica, afirmando-se mais fortes do que o solo gelado. A natureza, que se derrama em toda a vida e no mundo de Deus, encontra uma metáfora suprema na beleza desta estação. Como toda a beleza a melhor maneira de a apreciar e respeitar é sentirmo-nos unidos à sua epifania e deixá-la existir.

Buscam-me dia após dia, desejam conhecer os Meus caminhos” Isaías 58: 2

No hemisfério sul, desconhecido dos poetas bíblicos, as metáforas sazonais para a Quaresma e a Páscoa acrescentam uma nova dimensão ao seu sentido, para nós hoje. Actualmente, quando é fácil para nós habitar todas as estações quase em simultâneo, partilhar estes símbolos sacramentais enriquece o sentimento de espanto perante a nossa casa terrestre, bem como a nossa existência humana e frágil e, no entanto, profundamente unificada.

A Quaresma é um tempo em que apuramos e purificamos os sentidos espirituais e identificamos os hábitos e os padrões que os poluem. Os modos de o fazer são os exercícios que praticamos nesta altura. Não é um período de auto-punição ou repressão. Hoje em dia, a psiché humana é demasiado frágil para isso. Mas quando um amigo arranja coragem para nos dizer algo que preferíamos não ouvir, nos fala de um erro ou desonestidade de que nos temos sentido culpados, não nos sentiremos gratos pelas sua expressão de amor e preocupação connosco? Não é condenação mas um arrependimento que faz acelerar a jornada espiritual. Arrependermo-nos quer dizer, não nos culpabilizarmos, que é uma perda de tempo e espírito, mas sim ser honestos com visão clara e suficientemente corajosos para mudar de direcção.

Antes de mudar de direcção é melhor parar. A Quaresma é, sobretudo, o período de dar mais tempo do que, geralmente, ousamos dar aos mecanismos da nossa vida espiritual. Não se trata apenas de deixar de fazer, mas de fazer mais. Às vezes, os dois aspectos podem estar em harmonia – menos tempo a ver televisão, mais tempo a ler, ir mais cedo para a cama, levantar mais cedo para meditar, ouvir as notícias apenas uma vez por dia, rezar com maior frequência, comer menos e melhor, viver e comunicar mais saudavelmente . Claro que as boas intenções são mais realizáveis se forem realistas. É melhor abrandar gradualmente, antes de mudar de direcção, ou corremos o risco de não ir a lado nenhum. O objectivo das disciplinas da Quaresma é reverter os momentos de auto-rejeição real ou implícita e permitir que nos envolva a experiência do saber que somos amados. Este conhecimento é, de facto, o “conhecimento de Deus”. A mudança do momentum é a quietude. Portanto,

Aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus (Sl 46)

Finalmente, a união da sensibilidade litúrgica e sacramental consegue-se de várias maneiras, segundo o temperamento e nível de desenvolvimento que possuímos. Há muito por onde escolher – leitura das escrituras, participação dos sacramentos, outras formas de rezar, jejum. O princípio de toda a “auto-negação” servindo um fim positivo é moderação. Mas algumas vezes um período de abstinência é o melhor modo de estabelecer o equilíbrio. Há alguma coisa que você faça em excesso? Concentre-se nisso e veja se “deixar de o fazer” na Quaresma o ajudaria a restaurar uma alegria moderada. Lembra-se de alguma coisa que gostasse de fazer regularmente e parece nunca ter tempo para ela? Consciencialize se, realmente, quer arranjar tempo para isso e não se esqueça dos outros meios eficazes, que a tradição cristã sempre enfatizou. Como, dar esmolas, que é o abrir mão de tempo e dinheiro, para os que precisam mais do que você. Isto é, particularmente, útil numa época de consumismo e ansiedade material. É uma oportunidade de praticar o dar verdadeiro –anonimanente, modestamente e sem pedir nada em troca, nem mesmo uma boa consciência.

Ou, como “boas acções” um esforço de si próprio para desfazer uma injustiça. Levou aos cristãos quase 2000 anos, para se perceber que a escravatura não se coadunava com os valores do evangelho. Nesta Quaresma, você pode não ser capaz de trazer a paz ao Médio Oriente ou reverter o aquecimento global. Mas pode ajudar; e fazendo-o poderá despertá-lo para uma responsabilidade mais próxima de casa, na família, na comunidade ou no local de trabalho.

Sabeis qual é o jejum que eu aprecio? - diz o Senhor Deus:
É romper as ligaduras da iniquidade,
Desatar os nós do jugo,
Deixar ir livres os oprimidos,
E quebrar toda a espécie de jugo;
É repartir o seu pão com o esfomeado,
Dar abrigo aos infelizes sem asilo,
Vestir o nu,
E não desprezar o teu irmão.(Is. 58)

John Main achava que a oração é a essência de todo o ascetismo cristão, o voltar-se de si para o Outro. Isto implica uma certa profundidade de oração, uma profundidade de simplicidade e pureza como aquela a que o mantra nos pode levar. Então, talvez para um meditante a primeira prática da Quaresma que deve seguir – e a Quaresma seria um período cada vez mais feliz – era prepararmo-nos melhor para os períodos de meditação, ser-lhes mais fiel e dizer o mantra com a maior atenção, fidelidade e amor possíveis. Então, cada vez mais

O Senhor será o teu guia,
Saciará a tua alma no árido deserto,
Dar-te-á a força de um tronco
E serás como um jardim bem regado,
Como uma fonte de águas inesgotáveis
Então encontrarás a tua felicidade no Senhor,
E Eu te elevarei às alturas da terra. (Is. 58)

Com muita amizade, no caminho que partilhamos

Laurence Freeman

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

O PLANO DE DEUS

O Plano de Deus (de “Joy of Being” de John Main)

“Um dos desafios
que todos nós enfrentamos
É estarmos permanentemente sensibilizados à revelação do plano de Deus nas nossas vidas;
É darmos um consentimento livre e pleno
ao destino que o seu amor está a moldar em nós.

É fácil perder essa sensibilização.
Muita da nossa vida está dominada pelo automatismo,
Pela resposta que é esperada ou exigida de nós,
Pelas tentativas de prever ou antecipar o crescimento,
Pelo perigo de perdemos o contacto com a vida
como um mistério – e por isso mesmo com a própria vida.

Qualquer modelo fixo
Que pretendamos impor na nossa vida
Falsifica a verdade do mistério
que está eternamente presente e é tão imprevisível.

A nossa vida do dia-a-dia é de importância vital
Já que
O mistério da transformação acontece em nós
e através de nós pelo poder de Cristo. Nenhum detalhe é menor porque a reassimilação
de toda a criação em Cristo é para ser total.

O plano que está a tomar forma na vida de cada
Um de nós é
O mesmo que está a ser realizado em toda
A criação, ou seja, o
Trazer para a união com Cristo de tudo o que
existe. A primeira esfera deste grande movimento para a unidade é o lograrmos a plenitude dentro de nós próprios.”